![]() |
Miguel Vale de Almeida em São Francisco (CC 3.0 autor: Jnogueira at en.wikipedia) |
A INDEX
ebooks entrevistou Miguel Vale de Almeida, o reputado antropólogo, professor, ex-deputado e blogger que tem vindo a ter uma
intervenção substancial em Portugal ao nível da cidadania e da identidade,
sobre o lançamento pela INDEX ebooks, pela primeira vez em português, do
“clássico” de Havelock Ellis, “Inversão Sexual”.
INDEX ebooks: Quando o
livro “Inversão Sexual” de Havelock Ellis foi publicado em Inglaterra, em 1897 a
família de Symonds, o co-autor da 1ª edição, tentou comprar todos os exemplares
do livro para os queimar e o livreiro Bedbourough foi condenado e multado por
vender o livro. Porque é que o tema da “inversão sexual” causou tanto escândalo
nesse tempo?
Miguel Vale
de Almeida: Creio que a moral vitoriana assumia claramente aquilo que hoje
designamos como sendo hipócrita – a distanciação entre apresentação de si e
comportamento. Por outro lado, as ideias de Ellis, por muito que nos pareçam
estranhas e desadequadas hoje, pretendiam não punir mas, de certo modo,
legitimar o comportamento homossexual.
INDEX: Quer dizer
que Ellis arriscou bastante em termos pessoais e académicos com esta
publicação?
MVA:
Provavelmente, mas sei pouco sobre isso. É certo, porém, que um dos fundadores
da moderna antropologia social britânica, Bronislaw Malinowski, acabaria por
escrever The Sexual Life of Savages inspirando-se em Ellis e reconhecendo (e
assim dignificando) o seu contributo.
INDEX: Afinal de
contas os seus livros sobre sexologia ficaram proibidos em Inglaterra até 1936.
MVA: Não por
acaso, é por alturas da segunda guerra mundial que o Ocidente começa o processo
de transformação da ordem de género e da ordem sexual, significando isso alguma
abertura. Mas essa abertura, note-se, e na esteira de Foucault, estava também
legitimada pela racionalização do saber sobre sexo enquanto algo de regulável
através de um discurso médico/psiquiátrico.
INDEX: A
homossexualidade era encarada no tempo de Havelock Ellis como distúrbio, perversão
ou pecado (o nefando pecado da Inquisição em Portugal). Ellis insistiu que se
tratava de uma condição congénita. Que implicações tem esta alteração de
paradigma?
MVA: Ela
acaba por naturalizar a homossexualidade enquanto uma variável humana. Mas
note-se que “naturalizar” não significa tornar “natural” no sentido de
socialmente aceitável, mas sim de remeter para a natureza a “explicação”.
Continuou a ser um processo de estigmatização, já que não se procuraram
“explicações” simétricas para a heterossexualidade. Por outro lado, ainda hoje,
e sobretudo nos EUA, muitas pessoas, nomeadamente gays e lésbicas, desejam que
a homossexualidade tenha uma “explicação” genética (o equivalente contemporâneo
da ideia de congénito de então), porque vêem nisso a fonte última de
legitimação, dada a hegemonia do discurso biologista. Nem elas, nem Ellis à
época, viam o lado complexo da sexualidade humana, como processo de
identificações simultaneamente pessoais, relacionais, sociais, políticas,
discursivas, etc.
INDEX: O próprio
termo “homossexualidade” apareceu pela mesma altura; isso significa que antes
não se “era” homossexual?
MVA: Como
nos ensinou Foucault, de facto não – não havia categoria discursiva disponível
para organizar uma identidade coletiva potenciadora de identidades pessoais.
INDEX: Havelock
Ellis nunca foi traduzido para português. Que relevância pode ter para a
comunidade dos leitores de expressão portuguesa a iniciativa da INDEX ebooks de
publicar a preços acessíveis algumas obras “clássicas” sobre o estudo da
homossexualidade, como “Inversão Sexual”?
MVA: Muito
meritória – desde que com prefácios contextualizadores, claro. Muito útil
sobretudo para o ensino, onde se tem de recorrer a edições estrangeiras para
consultar os clássicos e fontes originais.
INDEX: Miguel Vale
de Almeida, muito obrigado pela ajuda preciosa que nos deu a enquadrar esta
nova edição!
Lisboa, Março
de 2012
Inversão Sexual: Introdução (volume 1) está disponível como ebook em formato amazon kindle e ePub (iPad, iPhone, Android, etc).
INDEX books é
um editora especializado em ebooks de literatura gay em língua portuguesa a
preços low-cost.
Parabéns por esta oportuna entrevista.
ResponderEliminarObrigado João, mas o mérito é todo do Miguel Vale de Almeida! Parabéns reencaminhados para ele ;D
ResponderEliminar