2014-06-08

A propósito de Retrato de Rapaz, de Mário Cláudio


A nota biográfica mais explícita em relação à vida íntima de Leonardo é um registo de um tribunal florentino que descreve a acusação anónima de sodomia com prostituto masculino (Jacopo Saltarelli) feita contra Leonardo (e outros dois acusados), quando ainda se encontrava na oficina de Verrocchio. Dois meses depois Leonardo foi ilibado por falta de provas.

Os registos históricos mostram que, depois do julgamento, Leonardo manteve duas ligações de longa duração com rapazes: os seus dois alunos Gian Giacomo Caprotti da Oreno, de alcunha Salai ou Il Salaino (com o sentido de "diabrete"), que chegou à sua casa em 1490 com apenas 10 anos, e Francesco Melzi, o filho de um aristocrata de Milão, que se tornou seu aprendiz em 1506. Outras relações, com um homem desconhecido chamado Fioravante Domenico e com um falcoeiro, Bernardo di Simone, são sugeridas na biografia escrita por Michael White, embora as relações com Salai e Melzi tenham sido as mais duradouras.

Vasari descreve Salai como um "gracioso e bonito rapaz com um belo cabelo ondulado" e o seu nome é referido (embora riscado) no verso de um desenho erótico, The Incarnate Angel (oficina de Leonardo da Vinci, c. 1515, acima); redescoberto em 1991 numa colecção alemã, trata-se de um de uma série de desenhos eróticos tomando Salai (e outros?) como modelos, originalmente na British Royal Collection, sendo possivelmente uma variante bem-humorada do São João Batista de Leonardo (1513, abaixo), em que o dedo erguido é o dedo médio, e não o indicador, e por debaixo do manto se pode ver um pénis ereto. O "Diabrete" fez jus ao seu nome: um ano após o ter recebido, Leonardo elaborou uma lista das suas qualidades, incluindo "ladrão, mentiroso, teimoso e glutão". Apesar do seu mau comportamento geral - foi apanhado a roubar dinheiro e valores em, pelo menos, cinco ocasiões, gastou fortunas em vestuário e morreu, talvez, num duelo - Salai manteve-se como companheiro, assistente e serviçal de Leonardo por trinta anos.

Vinte anos mais tarde, o conde Melzi foi um companheiro mais tranquilo, embora talvez menos excitante, para o velho Leonardo. Numa carta, Melzi descreve a intimidade da sua relação com Leonardo como sviscerato et ardentissimo amore ("visceral e ardentíssimo amor"), e foi ele, mais que Salai, que acompanhou Leonardo nos seus últimos dias em França. Melzi teve subsequentemente um papel importante como guardião dos livros de apontamentos de Leonardo, preparando-os para publicação de acordo com os desejos do seu mestre. No entanto, apesar de ser Melzi quem acompanhou Leonardo no seu leito de morte, um dos dois retratos que o artista manteve sempre na sua mesa de cabeceira foi o retrato de Salai como São João Batista, sorrindo enigmaticamente e apontando para o ceú com um dos dedos. 



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