2017-04-29

Discurso de Etienne Cardiles na homenagem ao seu marido Xavier Jugelé



Discurso de Etienne Cardiles na homenagem ao seu marido Xavier Jugelé
25-04-2017

Xavier, na quinta-feira de manhã, como de costume, fui trabalhar quando tu ainda dormias. Falámos, durante o dia, dos nossos planos de férias, num país tão distante. Disseste-me que estavas muito impaciente e que nunca tinhas estado tão longe. Os detalhes do visto e as nossas preocupações com o hotel revestiram as nossas conversas de um frenesim ainda mais alegre porque tínhamos acabado de reservar os bilhetes de avião na terça-feira. 

Entraste ao serviço às duas da tarde, vestido com a tua farda, que tratavas com muito cuidado, porque a tua aparência como agente da ordem tinha de ser à prova de crítica. Os teus camaradas e tu receberam a missão de se apresentarem na esquadra de polícia do oitavo bairro. Deveriam, como muitas outras vezes, garantir a segurança pública nessa bela avenida dos Campos Elísios. Deram-te como local de patrulha o número 102, em frente do Instituto Cultural da Turquia. Esse tipo de missão, sei-o bem, agradava-te, porque eram os Campos Elísios, a imagem da França. E porque era também a cultura que tu estavas a proteger.

Nesse instante, nesse lugar, o pior aconteceu, para ti e para os teus camaradas. Um desses eventos que todos tememos e que todos esperamos que nunca venham a acontecer. Foste ceifado instantaneamente e, por isso, dou graças à tua boa estrela. Os teus camaradas foram feridos, um deles gravemente. Estão a recuperar, o que nos deixa aliviados. Todos ficaram em choque.

Regressei a casa à noite sem ti, com uma dor extrema e profunda, que talvez se acalme um dia, não sei. Essa dor deu-me a sensação de estar mais perto do que nunca dos teus camaradas, que sofrem como tu, silenciosamente… como eu, silenciosamente. Quanto a mim, sofro sem ódio. Emprego a fórmula de Antoine Leiris cuja imensa sabedoria face à dor tanta admiração me suscitou que li e reli as suas palavras há apenas alguns meses. Foi uma lição de vida que me fez crescer então e que me protege hoje.

Logo que surgiram as primeiras notícias informando os parisienses que estava em curso um atentado grave nos Campos Elísios e que um polícia tinha perdido a vida, uma voz segredou-me que eras tu. E relembrou-me essa fórmula generosa e reparadora: "Não tereis o meu ódio."

Esse ódio, Xavier, não o tenho, porque esse ódio não se parece contigo. Porque não corresponde em nada ao que fazia palpitar o teu coração, nem ao que fez de ti um polícia e um guardião da paz. Porque o interesse comum, o serviço dos outros e a proteção de todos faziam parte da tua educação e das tuas convicções. Porque a tolerância, o diálogo e a temperança eram as tuas melhores armas. Porque por detrás do polícia e do gendarme, havia um homem. E só é polícia quem o deseja ser: quem deseja ajudar os outros, proteger a sociedade e lutar contra a injustiça, essa missão nobre, que é assegurada pelos polícias e gendarmes, e que é regularmente posta em causa.

Eu, como cidadão, mesmo antes de te conhecer, já a admirava. A profissão de polícia é a única que é mencionada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. No seu artigo doze, declara o que é evidente, que "Para garantir os direitos do homem e do cidadão é necessária uma força pública", e com uma precisão imprescindível a esse período politicamente importante: "Essa força é instituída para a vantagem de todos e não para o benefício particular daqueles a quem é confiada”. Era esta a visão que partilhávamos sobre a tua profissão, mas era apenas uma das facetas do homem que tu foste.

A outra faceta era um mundo de cultura e de alegria, onde o cinema e a música ocupavam um lugar importante. Cinco sessões de cinema num magnífico dia ensolarado de Agosto não te atemorizavam, e, bem entendido, o purista que tu eras privilegiava as versões originais, em inglês, essa língua que tu querias falar na perfeição. Tu encadeavas concertos uns nos outros, por vezes seguindo os artistas durante digressões inteiras. Céline Dion era a tua estrela. Zazie, Madonna ou Britney Spears e muitos outros faziam vibrar os vidros das nossas janelas. O teatro fazia-te sonhar e vivia-lo plenamente. Nenhuma experiência cultural te fazia recuar. Vias o pior dos filmes no próprio dia da estreia, até ao fim, qualquer que fosse a sua qualidade. Uma vida de alegria e de enormes sorrisos, onde o amor e a tolerância reinavam como mestres incontestáveis. Uma vida de estrela, que tu deixaste como uma estrela. 

Gostaria de dizer a todos os teus camaradas o quanto me sinto próximo deles. Gostaria de dizer à hierarquia da polícia o quanto vi sinceridade nos seus olhos e humanidade nos seus gestos. Gostaria de dizer a todos os que lutam para evitar que isto ocorra… que estes eventos ocorram… que também me sinto culpado como eles, que também sinto que fracassei, e que devem continuar a lutar pela paz. Gostaria de dizer a todos os que nos manifestaram o seu afeto, aos teus pais e a mim, que ficámos profundamente sensibilizados. Gostaria de dizer à tua família que estamos unidos. E aos mais próximos, que se preocuparam tanto comigo, que se preocuparam tanto connosco, gostaria de dizer que são magnificamente dignos de ti.

A ti, gostaria de te dizer que vais ficar no meu coração para sempre. Amo-te. Mantenhamos a dignidade e velemos pela paz. Fiquemos em paz.

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