2012-08-20

O meu livro não é gay!

Nos últimos dias deparei-me, em sucessão, com 3 exemplos de autores que se queixam da etiqueta "literatura gay" com que os seus livros são classificados pelos grandes distribuidores (amazon, B&N, etc.).

O mais recente foi Ryan Quinn, cujo livro The Fall chegou a número 1 da Lista de Best-Sellers da Amazon na categoria "Gay Fiction". Num artigo do Huffington Post, o autor diz que se sente orgulhoso, mas que se trata de um equívoco:  "O que se passa é o seguinte: o meu livro não é gay. Bem... talvez seja, mas só em parte, não completamente. Vejamos, sim, um dos personagens principais sai do armário. E há aquela outra cena (OK, três cenas) que levam a masturbação. Mas os outros personagens - uma rapariga e um jogador de futebol americano (que se masturba tanto como o outro rapaz que é gay) - são hetero. Como vêem, não é apenas um livro gay."

Antes disso, a morte de Gore Vidal, tinha-me reavivado a memória em relação à sua recusa da etiqueta gay (nas palavras de Eduardo Pitta - que no seu ensaio Fractura argumentou contra a existência de uma literatura gay em Portugal - no seu blogue Da Literatura): "Este homem que odiava o termo gay foi um homossexual desassombrado."

E pouco tempo antes, ao ouvir um podcast do BBC World Book Club em que Jeanette Winterson falava sobre o seu excelente romance autobiográfico "As Laranjas Não São o Único Fruto", deparo com a seguinte resposta da autora: "Nunca pensei em sexualidade. Pensei sempre em amor, o que é diferente. Nunca me ocorreu colocar uma etiqueta em mim mesma e, de facto, tenho passado toda a minha vida de adulto a tentar desembaraçar-me destas etiquetas, a mim e à minha obra. Num mundo em que colocamos etiquetas em tudo porque tudo o que é livre nos causa nervosismo, quando classificamos uma coisa estamos a limitá-la e sentimos-nos mais confortáveis, deixamos de ter de pensar no assunto."

O problema é que as etiquetas fazem falta para tudo na vida. Quinn diz mais à frente no seu artigo: "O que acabei por perceber é que não é a etiqueta que me incomoda. A nossa cultura precisa de etiquetas. Estamos constantemente a usá-las. 'Fição Gay' e 'Desporto' são apenas categorias utilizadas pelos livreiros para comunicar com os leitores. E estas categorias, como quase todas, são largamente insuficientes para identificar completamente o que era suposto descreverem."

Sim, é verdade! mas qualquer tentativa de resumir uma obra de arte (e classificar um livro numa categoria é resumi-lo numa só palavra!) se revela sempre fundamentalmente insuficiente! Muitos livros de ficção científica tratam de misticismo e de espiritualidade... muitos livros de cowboys se baseiam em factos históricos... e quanto ao amor e ao romance, permeiam tudo, mesmos os livros de horror e de vampiros!

Não quero duvidar da honestidade dos autores, a quem o rótulo "literatura gay" limita o mercado alvo e, logo, as receitas de vendas das suas obras... mas talvez seja a própria Jeanette a dar pistas para a resposta. A uma pergunta de alguém da audiência "Acha que os desafios para uma jovem lésbica nos dias de hoje são os mesmos que quando escreveu o seu livro, há quase 30 anos?" a autora quase se indigna: "Voltamos a estas definições determinantes que me parecem tão pouco saudáveis. Os miúdos, hoje em dia, são gozados sem piedade só porque lhes põem uma etiqueta, quando a única coisa que querem é experimentar a sua própria sexualidade. Quando se tem 15 ou 16 anos, a última coisa em que se quer pensar é 'serei gay?´, 'serei hetero?'. Não deveria ser preciso questionar-se sobre isso. Somos nós, os adultos, que forçamos a questão aos miúdos, tal como a forçamos a nós mesmos. Precisamos de mais liberdade nas nossas vidas, não de menos, para podermos sentir que podemos amar quem quisermos, sem primeiro ter que passar por auto-exames intermináveis sobre a nossa natureza. Por vezes apenas queremos ir para a cama com alguém (risos), sem que isso signifique que decidimos passar o resto da nossa vida com uma determinada orientação sexual, sabes? até nos comboios acontecem coisas (risos)!"

Com efeito, apesar da progressiva igualdade aos olhos da lei, a sociedade ainda discrimina as minorias sexuais (com bullying nas escolas, por exemplo) o que poderá realmente ser a principal razão que leva os autores a protestarem contra a classificação das suas obras com a etiqueta "literatura gay". Mas as etiquetas fazem falta! O que é preciso mesmo é acabar com a discriminação!

Links para os livros:
The Columbia Anthology of Gay Literature, por Byrne Fone (em papel, em inglês)
The Fall, por Ryan Quinn (ebook em inglês)
As Laranjas Não São o Único Fruto, de Jeanette Winterson (em papel, em português)
Fractura, A Condição Homossexual na Literatura Portuguesa Contemporânea, por Eduardo Pitta (à venda na editora Angelus Novus aqui)

INDEX books é um editora especializado em ebooks de literatura gay em língua portuguesa a preços low-cost.





1 comentário:

  1. Obrigado ao Pedro, pela dica em relação à disponibilidade de Fractura na Angelus Novus!

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