2012-03-07

Miguel Vale de Almeida: “iniciativa muito meritória”!

Miguel Vale de Almeida em São Francisco
(CC 3.0 autor: Jnogueira at en.wikipedia)


A INDEX ebooks entrevistou Miguel Vale de Almeida, o reputado antropólogo, professor, ex-deputado e blogger que tem vindo a ter uma intervenção substancial em Portugal ao nível da cidadania e da identidade, sobre o lançamento pela INDEX ebooks, pela primeira vez em português, do “clássico” de Havelock Ellis, “Inversão Sexual”.

INDEX ebooks: Quando o livro “Inversão Sexual” de Havelock Ellis foi publicado em Inglaterra, em 1897 a família de Symonds, o co-autor da 1ª edição, tentou comprar todos os exemplares do livro para os queimar e o livreiro Bedbourough foi condenado e multado por vender o livro. Porque é que o tema da “inversão sexual” causou tanto escândalo nesse tempo?

Miguel Vale de Almeida: Creio que a moral vitoriana assumia claramente aquilo que hoje designamos como sendo hipócrita – a distanciação entre apresentação de si e comportamento. Por outro lado, as ideias de Ellis, por muito que nos pareçam estranhas e desadequadas hoje, pretendiam não punir mas, de certo modo, legitimar o comportamento homossexual.

INDEX: Quer dizer que Ellis arriscou bastante em termos pessoais e académicos com esta publicação?

MVA: Provavelmente, mas sei pouco sobre isso. É certo, porém, que um dos fundadores da moderna antropologia social britânica, Bronislaw Malinowski, acabaria por escrever The Sexual Life of Savages inspirando-se em Ellis e reconhecendo (e assim dignificando) o seu contributo.

INDEX: Afinal de contas os seus livros sobre sexologia ficaram proibidos em Inglaterra até 1936.

MVA: Não por acaso, é por alturas da segunda guerra mundial que o Ocidente começa o processo de transformação da ordem de género e da ordem sexual, significando isso alguma abertura. Mas essa abertura, note-se, e na esteira de Foucault, estava também legitimada pela racionalização do saber sobre sexo enquanto algo de regulável através de um discurso médico/psiquiátrico.

INDEX: A homossexualidade era encarada no tempo de Havelock Ellis como distúrbio, perversão ou pecado (o nefando pecado da Inquisição em Portugal). Ellis insistiu que se tratava de uma condição congénita. Que implicações tem esta alteração de paradigma?

MVA: Ela acaba por naturalizar a homossexualidade enquanto uma variável humana. Mas note-se que “naturalizar” não significa tornar “natural” no sentido de socialmente aceitável, mas sim de remeter para a natureza a “explicação”. Continuou a ser um processo de estigmatização, já que não se procuraram “explicações” simétricas para a heterossexualidade. Por outro lado, ainda hoje, e sobretudo nos EUA, muitas pessoas, nomeadamente gays e lésbicas, desejam que a homossexualidade tenha uma “explicação” genética (o equivalente contemporâneo da ideia de congénito de então), porque vêem nisso a fonte última de legitimação, dada a hegemonia do discurso biologista. Nem elas, nem Ellis à época, viam o lado complexo da sexualidade humana, como processo de identificações simultaneamente pessoais, relacionais, sociais, políticas, discursivas, etc.

INDEX: O próprio termo “homossexualidade” apareceu pela mesma altura; isso significa que antes não se “era” homossexual?

MVA: Como nos ensinou Foucault, de facto não – não havia categoria discursiva disponível para organizar uma identidade coletiva potenciadora de identidades pessoais.

INDEX: Havelock Ellis nunca foi traduzido para português. Que relevância pode ter para a comunidade dos leitores de expressão portuguesa a iniciativa da INDEX ebooks de publicar a preços acessíveis algumas obras “clássicas” sobre o estudo da homossexualidade, como “Inversão Sexual”?

MVA: Muito meritória – desde que com prefácios contextualizadores, claro. Muito útil sobretudo para o ensino, onde se tem de recorrer a edições estrangeiras para consultar os clássicos e fontes originais.

INDEX: Miguel Vale de Almeida, muito obrigado pela ajuda preciosa que nos deu a enquadrar esta nova edição!

Lisboa, Março de 2012

Inversão Sexual: Introdução (volume 1) está disponível como ebook em formato amazon kindle e ePub (iPad, iPhone, Android, etc)
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2 comentários:

  1. Obrigado João, mas o mérito é todo do Miguel Vale de Almeida! Parabéns reencaminhados para ele ;D

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