2014-02-01

Porcalhão! Olha que orelhas aquelas!


Um estudante de medicina da Escola de Paris, apaixonou-se por uma servente de uma cervejaria do bairro latino. Após várias peripécias que não vem para aqui narrar, conseguiu que a rapariga fosse viver consigo; não lhe ofereceu um paraíso luxuoso e elegante, porque não o tinha nem podia adquiri-lo, nem a seduziu pela elegância de maneiras ou beleza física; o pobre rapaz nada disso possuía. A cervejeira seguiu-o porque estava farta de aturar os dichotes e vaias da freguesia embriagada e queria experimentar as sensações inolvidáveis de uma afeição pura e sincera. O estudante não era atraente nem pelo físico nem pela moral, nem bonito nem asseado em demasia, mas era um homem que dizia amá-la e isso lhe bastava. Daqui havia necessariamente de nascer um tanto ou quanto retraimento, da parte da rapariga, na permuta dos afagos. O rapaz, amante enlevado na beleza da amada de que se orgulhava, exigia-lhe carícias repetidas e apaixonadas, queria intimidades contínuas sorvidas em longos beijos, fruídas em longos contactos; ela, porém, que apreciava muito mais o descanso relativo do ménage, o imprevisto de uma ligação mais ou menos duradoura, porque fora isso que principalmente a seduzira, recusava-lhe os afagos que lhe exigia, tinha momentos de indiferença, arremessos de tédio, bocejos de aborrecimento que o traziam desolado.

A cervejeira hipnotizava-se facilmente. Um dia o amante hipnotizou-a e sugeriu-lhe a ideia de quando despertasse ficar apaixonada por ele; anelaria abraçá-lo constantemente, beijá-lo douda de amor, apertá-lo contra si num frémito de entusiasmo. Assim foi; a sugestão realizou-se por completo e o bretão rejubilou.
Não contente em saber só o resultado da experiência, contou-a a alguns amigos; um destes, não sabemos se por partida ou por inveja, resolveu acabar com esse estado de coisas.

O processo de que se serviu foi simples. Hipnotizou a rapariga e sugeriu-lhe a ideia de que o amante andava sempre com as orelhas porquíssimas, era um ser repugnante que toda a gente tinha nojo em abraçar.
Passado o sono hipnótico a sugestão fez efeito e a rapariga nunca mais pôde ver o amante, de quem se retirava enojada, dizendo:
— Porcalhão! Olha que orelhas aquelas!... Parece que não tem água para lavá-las! Some-te!

(extractos da obra de Adelino Pereira da Silva, a publicar brevemente pela INDEX ebooks; na foto, O estudante de Coimbra e a sopeira, no blogue O Penedo da Saudade)

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